“O Quatrilho tornou o nome de Caxias conhecido internacionalmente”

Entrevista com José Clemente Pozenato destaca a importância de seus romances na cultura do Rio Grande do Sul e os desafios presentes na vida de um escritor

José Clemente Pozenato é escritor, professor e tradutor. Nascido em 1938 em São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul. Suas obras mais conhecidas fazem parte da trilogia “O Quatrilho”, que inclui três romances, “O Quatrilho (1985), A Cocanha (2000) e A Babilônia (2006).

Por Guilherme da Silva Machado*

Guilherme Machado: Em qual o ator o senhor mais se inspirou para escrever suas obras… ou se o senhor teve alguém que inspirou pra escrever tudo isso?

José Clemente Pozenato: Sempre fui um grande leitor, então os dois autores que mais me marcaram pra escrever foram Machado de Assis e Érico Veríssimo. Machado de Assis porque usa uma linguagem coloquial… ele fazia questão de usar a língua do leitor. E o Érico Veríssimo porque fazia uma narrativa com caráter visual. Então são os dois que me marcaram mais.

GM: Então na sua visão, o que é ser um escritor? O que isso representa?

JCP: Significa trazer dos meandros da experiência humana situações para mostrar para os leitores. Então se eu olho por exemplo um período da história, eu tenho romances de margem histórica, eu fico preocupado em mostrar para o leitor a dimensão individual, de como cada pessoa viveu aquela situação.

GM: Qual o senhor considera ser a importância dessa literatura para o Rio Grande do Sul como um estado, como uma cultura?

JCP: Eu acho que toda produção literária deve mostrar ao leitor o universo de onde ela procede, e a literatura do Rio Grande do Sul tem essa característica, porque o estado do Rio Grande do Sul é multicultural, e a literatura do estado representa toda essa diversidade que nós temos.

GM: Então o senhor considera que é uma cultura muito diversa que abrange muitos países e estados?

JCP: Exato! Tem tradições de vários países europeus, além da tradição de origem indígena, que também está presente aqui no estado.

GM: Para o senhor qual foi o desafio mais difícil da carreira? Para o lado do professor ou o lado da literatura?

JCP: O maior desafio do escritor é publicar o livro. Mas isso Fernando Pessoa já escrevia sobre o problema da publicação há 100 anos atrás.

GM: O que o senhor espera do futuro da literatura? Como o senhor disse publicar já é difícil, ter o incentivo pra empenhar essa função.

JCP: É, a literatura passou diversos momentos de transformação. Primeiro surgiu o rádio, que fez com que muitos narradores escrevessem novelas pra rádio. Depois surgiu o cinema, que também tirou muitos leitores para assistir filme. E depois veio a televisão e as novelas de televisão. E agora tem o livro digital, que consegue acessar sem a necessidade de estar impresso. Então todas essas transformações afetam o trabalho do escritor e de alguma forma todos os escritores acabam se adaptando a esse contexto. O rádio levou a uma narrativa mais coloquial, o cinema mais visual, a televisão mais dinâmica e assim por diante. Então acredito que a literatura cansou de enfrentar desafios e não vai desaparecer com os novos que vem ai.

GM: Pra você, o que é ser um integrante da Academia de Letras? O que isso representa?

JCP: Olha, eu sou membro integrante da Academia Rio Grandense de Letras, mas eu acabei sendo designado para membro demérito porque eu não frequentava. Então é um espaço de convivência, mas a única academia que eu participei eu não frequentei.

GM: O senhor recebeu o título de cidadão caxiense, o que representa para o senhor essa premiação?

JCP: É, significa que os caxienses viram que eu fiz uma coisa em favor de Caxias. E claro que a obra marcante nesse sentido foi o romance “O Quatrilho”, que tornou o nome de Caxias conhecido internacionalmente.

GM: Então pegando essa do “O Quatrilho”, como foi concorrer ao Oscar com ele? O senhor esperava receber essa premiação?

JCP: “O Quatrilho” me causou surpresa em todos os momentos. O primeiro foi de haver interesse da produtora de fazer o filme. Depois que esse filme foi um sucesso… um dos filmes brasileiros com maior número de espectadores nos cinemas. E a maior surpresa foi de ter sido indicado para o Oscar né, foi o primeiro filme brasileiro a ser indicado para o Oscar. E eu fui convidado, estive lá presente, acompanhei os eventos todos… e a acolhida do filme lá em Los Angeles, em Hollywood foi muito forte. Ele só não venceu porque… como me explicaram depois, o filme chegou tarde pra ser visto pelos membros da academia, e muitos dos votantes já tinham votado em outro filme quando tiveram a oportunidade de ver “O Quatrilho”.

GM: Então o senhor acha que isso afetou o resultado?

JCP: O que os produtores me explicaram que foi isso que afetou o resultado, se não ele teria ganho!

GM: Como você define essa trilogia do “O Quatrilho”?

JCP: A minha intenção era de mostrar a experiência da imigração italiana aqui na Serra Gaúcha em três gerações. A primeira geração foi a dos que saíram da Itália e vieram até a nossa região aqui, então essa geração toda aparece mostrada no romance “A Cocanha”. Depois a segunda geração é aquela que começa a construir uma nova cultura aqui dentro dessa região, que é a geração do romance “O Quatrilho”. A terceira geração é a que já começa a enfrentar conflitos porque a cultura que eles construíram começa a conflitar com a cultura majoritária da região, e é um período em que os todos os valores da imigração italiana passam a ser questionados, a começar pela língua, foi proibido falar… durante a guerra, a língua dos imigrantes, então essa geração aparece no romance “A Babilônia”. São vários conflitos né, o conflito de ideologia, entre ser da direita, ser da esquerda, ser fascista, ser comunista… entre falar português ou não falar português, e assim por diante… um período conturbado. O título “A Babilônia” significa que foi um período confuso. Aliás, no romance “A Babilônia” eu relato o episódio da troca do nome da praça, de outras ruas.

GM: Qual escritor gaúcho o senhor recomendaria para um leitor de primeira mão, primeira viagem?

JCP: Érico Veríssimo.

GM: Qual foi para o senhor a obra mais difícil de ter sido escrita?

JCP: Dos meu romances, o mais difícil foi “A Babilônia”, porque tem conflitos de várias origens. Fiz muita pesquisa em revistas da época, que aparecia todas essas confusões babilônicas. A partir de uma revista, revista do Globo, em Porto Alegre. E eu não precisei ir nas bibliotecas, porque agora basta ler na internet. Então eu descobri quando o Whisky chega em Porto Alegre [risos], tudo isso aí. Pra constituir o ambiente, porque eu só consigo escrever uma história se eu consigo visualizar todo o ambiente… eu preciso do cenário. Na “Cocanha” também eu consegui ter o cenário dos imigrantes fazendo a viagem do navio quando eu visitei o museu do imigrante em Nova York, em Manhattan… e tem um porão de navio lá no museu, com as camas, tipo de colchão, de cobertor que tinha, então tudo isso. Inúmeras fotografias também, do ambiente. Então eu preciso de um elemento visual, pra ter fidelidade. Isso é influência do cinema, da televisão e do Érico Veríssimo.

GM: Então pra finalizar, quais dicas o senhor daria para um futuro escritor, alguém que está se aventurando nesse mundo?

JCP: É, ele deve ter presente que ele está concorrendo com outras linguagens. E dos escritores contemporâneos que melhor assimilaram as novas linguagens, principalmente a da televisão, eu indicaria o Rubem Fonseca, que ele conseguiu captar todo o drama do que a gente chamou de migração rural, que a partir dos anos 70 o Brasil começa a diminuir a população rural e começa a aumentar a população urbana, e é um conflito cultural dentro desse processo. Então Rubem Fonseca usa uma linguagem próxima, mais urbana, de televisão nas suas narrativas. E agora tem que prestar atenção que as coisas mudaram de novo, então a competição do escritor agora é com a internet, as novas tecnologias.

* Estudante da Disciplina: Fontes, Entrevista e Tratamento de Dados
Professor: Marcell Bocchese
Trabalho: Entrevista Pingue-Pongue
Semestre: 2023/4

Foto: UCS PLAY

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