Maya Falks foi patrona da Feira do Livro de Caxias do Sul de 2022 e agraciada com o
Prêmio Vivita Cartier em 2021

A escritora caxiense, Maya Falks, de 41 anos, já escreveu mais de 10 livros em toda a sua
carreira, ganhou diversos prêmios, incluindo o Prêmio Vivita Cartier 2021, foi patrona da
Feira do Livro de Caxias do Sul de 2022, e recentemente lançou a obra “Todo mundo gosta
de sexo – Eu nunca fui todo mundo”. Na entrevista, a convidada responde sobre a sua vida
pessoal, carreira profissional e o que espera para o futuro.

Por Luan Hagge Francisco*

Luan Hagge Francisco: Você escreveu o seu primeiro livro com apenas 7 anos de idade.
O que te inspirou a querer ser escritora?

Maya Falks: Não houve uma inspiração específica, o gosto pela criação de histórias nasceu
comigo. Quando ainda bebê, eu passava horas em cada página do livro “O Batalhão das
Letras”, de Mário Quintana, cada ilustração me oferecia um prato cheio para criação das
minhas próprias histórias (até porque eu não sabia ler). E o mais engraçado é que eu me
lembro disso, mesmo sendo tão pequena. Aos três eu ditava histórias para minha mãe, depois
de desenha-las em formato de quadrinhos. Então comecei cedo demais pra ter um ponto
específico de início.

LHF: Como surgem as primeiras ideias para um livro novo?

MF: Literalmente de qualquer maneira. Um sonho, um pensamento passageiro, uma cena
cotidiana, um filme, um livro, uma fila de banco, uma parada de ônibus… tudo é estímulo.
Escrevi uma crônica que venceu um concurso depois de avistar uma florzinha bem pequena
entre as pedras ao lado de um canteiro. Me chamou muito a atenção porque se espera que
uma flor nasça no canteiro, mas ela nasceu entre as pedras, ao lado dele. Outra crônica
vencedora do mesmo concurso foi escrita numa madrugada depois de ouvir um cachorro
latindo na rua. Depois da ideia inicial, amadureço ela na minha cabeça, sem escrever
nenhuma palavra; se ela permanecer forte, escrevo, senão descarto.

LHF: Como funciona o seu processo criativo na hora de escrever?

MF: É bem caótico e sem padrão. O mais organizado foi “Antônio”, sem previsão de
lançamento, por se tratar de uma história real, passou por dois processos minuciosos de
pesquisa com vasta bibliografia, passando pelo fichamento de todos os livros pesquisados,
escrita e reescrita. No total foram três revisões longas sendo que na terceira reescrevi o livro
inteiro – esse processo durou 4 anos. Os livros de ficção tiveram processos bem diferentes,
desde passar as noites em claro – várias noites consecutivas, me levando quase ao limite
físico de exaustão – até passar horas e horas ouvindo a mesma música. Aliás, no começo da
minha carreira já profissional como escritora (após a primeira publicação), eu sempre elegia
uma música que seria minha guia no livro inteiro, mas nem todos seguiram esse padrão.

LHF: Como você enxerga as mudanças que as redes sociais estão trazendo para a
literatura?

MF: Tem todo um lado mágico, aumenta nosso contato com leitores e isso é gratificante,
também é uma forma muito eficaz de interagir com colegas e com o próprio mercado, além
de se tornar mais fácil de divulgar os livros quando não se tem verba para marketing ou
assessoria de imprensa; todas as editoras onde publiquei tive o primeiro contato nas redes
sociais, sei que sem elas talvez jamais tivesse publicado, em especial porque o movimento
das pequenas editoras acontece mais fortemente no centro do país, aqui do sul não temos
muito acesso a essa realidade de forma analógica. A desvantagem é que há a necessidade de
constante criação de conteúdo para alimentar os leitores, que hoje têm muito mais opção do
que nos tempos sem as redes.

LHF: Com o avanço da tecnologia e de novos meios de leituras online, você acha que os
livros físicos vão perder a força ao ponto de não existirem mais?

MF: Não, de forma alguma. Vemos o exemplo do rádio, que foi dado como perto do fim
quando surgiu a TV. Claro que ele se adaptou aos novos tempos e hoje temos uma febre de
podcasts. Embora usando tecnologia online, o podcast tem exatamente o mesmo formato do
rádio. Um livro digital tem o mesmo conteúdo do livro físico, mas não o mesmo formato. Os
leitores gostam do contato com o objeto; seguidamente sei de pessoas que usam recursos
digitais quando precisam viajar e o livro pesa na bagagem, mas sempre voltam para o livro
físico. Acredito de coração que livro físico e digital podem coexistir em perfeita harmonia.

LHF: O que te levou a querer se formar em jornalismo?

MF: O FIES (risos). Explico: morei em Porto Alegre por 4 anos atuando como publicitária,
estava em ascensão profissional até que bateu uma crise econômica e eu perdi o emprego.
Ameaçada de ficar sem dinheiro para o aluguel, voltei pra casa dos pais. Foi difícil e eu tomei
a decisão de nunca mais trabalhar com propaganda (não cumpri, sigo trabalhando com
propaganda até hoje). Minha alternativa era migrar para uma área onde eu pudesse fazer um
concurso e permanecer estável até a aposentadoria, então fui estudar direito. Na
impossibilidade de pagar pelo curso, consegui uma bolsa do FIES, só que desisti do curso na
metade e não queria ter que pagar a bolsa sem terminar a formação, então aproveitei minha
graduação em publicidade e fiz as disciplinas faltantes para jornalismo. Gosto da área e já fiz
muita coisa, mas nunca planejei exercer de forma totalmente ativa, trabalhando com
reportagem, por exemplo. Mas nunca é tarde demais enquanto estamos vivos, nada garante
que eu permaneça sem exercer, não descarto atuar como jornalista no futuro.

LHF: Como o jornalismo te ajuda na hora de escrever um livro?

MF: Na verdade o processo foi o contrário: ser escritora me ajudou a me formar em
jornalismo. Gosto de explorar narrativas, então já estava familiarizada com a linguagem
jornalística quando migrei para o curso; pra mim, um texto jornalístico nada mais é do que
um estilo narrativo que posso usar livremente na literatura. Mas posso dizer que as áreas
estão muito conectadas no sentido da curiosidade e busca por informação; raramente produzo
alguma coisa sem pesquisar antes, pré-requisito para jornalistas e escritores.

LHF: Como foi a experiência de ser patrona da Feira do Livro de 2022 de Caxias do
Sul?

MF: Foi incrível! Certa vez disse para alguns livreiros que não sonhava com o patronato, que
já me seria muito honroso uma eleição para amiga do livro. Mesmo assim os livreiros
levaram meu nome para a reunião de eleição do patronato e lutaram por ele, realizando um
sonho que eu negava a mim mesma que tinha. Sim, no fim das contas eu sonhava mesmo
com esse patronato. Quando recebi a ligação informando da escolha, eu fui invadida por uma
emoção que é muito difícil descrever. Eu ainda estava entorpecida com a notícia quando os
veículos de comunicação começaram a me contatar para entrevista, então já começou muito
intenso. Eu me entreguei completamente à missão, e não o fiz sozinha: minha mãe participou
de absolutamente tudo, chegando ao ponto de ela cobrir atividades da Feira que eu não podia
porque estava em outra. Ela acabou ganhando o apelido de “mãetrona”! Vivemos
intensamente a Feira, criei o programa “Na Feira com a Patrona”, onde eu dava dicas de
livros, divulgando todos os livreiros e atividades da Feira, foi um sucesso imenso! Sei que
deixei uma marca importante na história da Feira, e isso não tem preço.

LHF: Recentemente você lançou o livro “Todo mundo gosta de sexo – eu nunca fui todo
mundo”, que trata sobre a assexualidade. Por que é importante para você abordar este
tema sendo uma pessoa assexual?

MF: Porque quase não se fala nisso, e a ausência de informação me fez passar 38 anos da
minha vida sem entender quem eu era. Meu comportamento, meus gostos, minha falta de
interesse em tanta coisa considerada “normal” me renderam muita exclusão e humilhações
até bem pesadas. Existem assexuais que se agridem ao máximo na tentativa de se encaixar
nessa dita normalidade. Se forçar a relações sexuais é de uma violência imensa, mas a
pressão social é implacável e, enquanto essas pessoas não se compreenderem e se aceitarem,
seguirão se agredindo. O livro foi a forma que eu encontrei de desmistificar a letra “A”, que
muita gente não faz ideia do que significa quando a vê na sigla.

LHF: Como foi o processo de entendimento da sua sexualidade?

MF: Demorado e doloroso. Passei uma vida me declarando heterossexual sem realmente ter
interesse em nenhum gênero, e passei a vida tentando me encaixar em situações que nunca
dialogaram comigo. A sensação de incompletude e não pertencimento é extremamente
danosa, mexe com a autoestima e com a saúde mental; é um ótimo caminho para a depressão.
Ouvi falar sobre assexualidade pela primeira vez em torno dos 35 anos, aquilo ficou na minha
cabeça, mas com o pouco de informação que eu tinha na época, não entendi como algo que se
encaixava em mim, eu entendia a assexualidade como uma espécie de frigidez, em que a
pessoa não sente absolutamente nada, nem desejo, nem tesão, e isso não me definia. Meu
corpo funciona como qualquer outro, eu só nunca senti atração sexual por pessoas ou vontade
de me relacionar com elas. Só consegui compreender que era assexual quando descobri que
assexualidade não é ausência do desejo e nem voto de castidade.

LHF: Sobre quais temas você ainda quer escrever futuramente?

MF: Tudo é possibilidade. Onde houver inquietação, é um terreno que quero pisar. Não sei
citar temas de forma concreta porque tudo muda o tempo todo; tenho vários romances
começados que nunca serão terminados porque as histórias que estavam sendo escritas não
me representam mais ou não me geram interesse em continuar.

LHF: Qual legado você quer deixar para as próximas gerações com os seus livros?

MF: A perseverança. Ouvi de uma pessoa muito bem sucedida na literatura que se tivesse
enfrentado metade da minha trajetória, teria desistido no caminho. Eu não sei onde vou
chegar, mas quero que todos entendam que, a depender de tudo o que eu vivi, eu teria todo o
potencial de não alcançar coisa alguma. Lutei muito por cada vitória, e toda a luta, por mais
cansativa que seja, tem valido a pena

* Estudante da Disciplina: Fontes, Entrevista e Tratamento de Dados
Professor: Marcell Bocchese
Trabalho: Entrevista Pingue-Pongue
Semestre: 2023/4

Foto: Angela Nadin

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