A história do argentino que desvendou o folclore gaúcho e se tornou um dos maiores compositores e violonistas de todos os tempos

Cantor, compositor e um dos maiores violonistas de todos os tempos, Federico Nelson Giles, mais conhecido como Lúcio Yanel, nasceu em 6 de maio de 1946, atualmente com 77 anos. É argentino, mas estabeleceu raízes no Brasil há mais de 30 anos. Conhecido por ser o mestre do também violonista Yamandu Costa.

Por Bruna Alves Giusti*

Bruna Alves Giusti: Sabe-se que você começou muito cedo a se aproximar da música, como aconteceu esse primeiro contato com o violão?

Lúcio Yanel: Eu já contei essa história muitas vezes, tem milhares de entrevistas minhas na internet e um ou duas bibliografias soltas pelo mundo. Eu era muito pequeno, vivia em Corrientes (cidade da Argentina) com o meu pai. Então, aos nove anos vi um menino na escola com um violão e fiquei encantado, cheguei em casa e pedi um daqueles instrumentos para o meu pai, mas nós não tínhamos muito dinheiro. Fui ganhar meu primeiro violão aos dez anos e aos 11 já estava tocando como adulto. Eu sou autodidata. O resto é história, no?

BAG: O senhor chegou a fazer algum curso para se aprimorar?

LY: Tentei fazer um curso aos 14 anos, mas cada aula que passava eu dominava tudo o que o professor pedia para eu fazer. Eu escutava uma música e saia tocando em cima daquele pouco que escutava. Não sabia muito bem o que estava fazendo, mas funcionava, e as escolas estavam cada vez mais ortodoxas, tinha muita música erudita no padrão de ensinamento. Então, eu larguei os estudos, nunca mais quis estudar.

BAG: Na década de 1980, a Argentina declarou guerra contra a Inglaterra e deu início a Guerra das Maldivas. Esse período levou o senhor a vir morar no Rio Grande do Sul. Como foi o processo de vir morar no Brasil?

LY: Sabe, eu sou um cara paz e amor, ententes? Nunca gostei de guerras. Hoje assisto o noticiário para me informar e poder debater, mas essas barbaridades nunca foram comigo. Eu já tinha passado um tempo em São Paulo, mas em 1982 sai da Argentina e vim morar no Rio Grande do Sul. Vim para cá no aniversário do meu pai, eu tinha feito uma promessa para ele e assim cumpri.

A Argentina estava passando por um período muito ruim para os artistas, o que ficou mais forte no período pós-guerra. Então, aqui estou eu, no?

BAG: O senhor falou anteriormente que é autodidata. O que isso significa para o senhor?

LY: Sem ser pretensioso, eu sou um músico autodidata. Sou abençoada pelo cosmos. Sem dúvida nenhuma sou um cara de sorte. O universo me mandou com esse dom e alguém lá de cima assopra para mim o que eu devo fazer e eu faço. O universo me mandou e segue mandando pessoas abençoadas.

BAG: Como esse dom do universo influencia no processo de compor?

LY: O autodidata é um criador, um inventor. Por isso, as pessoas, até mesmo professores universitários, me questionam como é possível eu criar músicas. Na lógica, não é possível criar, eu não sei explicar, mas acredito que todos os músicos tenham um grau de mediunidade para compor. Sem misturar religiões, mas eu tenho meus anjos, meus guias, que me fornecem os caminhos e os passos que devo dar para criar uma melodia.

BAG: O senhor compõe com frequência?

LY: Eu só vou parar de compor quando eu morrer, e talvez até depois disso. Enquanto existir o universo eu vou compor.

BAG: Como o senhor classificaria as suas composições?

LY: Tudo o que eu faço tem um Q de repressão, porque tudo o que eu faço tem ligação com o que vem da terra. Eu executo e crio aquilo que vem do folclore, o que nasce e vem dos povos.

BAG: O que a música significa para ti?

LY: A música é uma arte bastante interessante. A música é a forma mais completa de receber uma mensagem, hora quando são por letra hora não. Às vezes, uma melodia te transporta até para outra vida, que você nem lembra.

BAG: Qual o sentimento o senhor tem por tudo aquilo que já fez?

LY: Eu não tenho nada que não me deixe feliz, que eu não tenha feito. Sem dúvida continuarei fazendo aquilo que me deixa feliz. Minha única tristeza é que o tipo de música que eu faço não agrada os meios de comunicação, por que não são comerciais. Não fico triste por mim, mas por aqueles que mereciam mais reconhecimento pelos seus talentos.

BAG: Qual artista brasileiro o senhor acha que todo mundo deveria escutar?

LY: Chico Buarque de Holanda. Suas músicas são pura reflexão, é pura sabedoria, pura mensagem para a alma, para o coração.

BAG: Se você não fosse músico, seria o que?

LY: Eu gostaria de ser muitas coisas, mas, principalmente, médico. Para salvar as pessoas e fazer descobertas na ciência que mudassem a vida das pessoas. Não que a música não faça isso pelas pessoas, muitas são salvas pela música. Mas eu gostaria, principalmente, de achar a cura para o Alzheimer, uma doença que deixou a minha mulher de cama, como ela está agora. Como médico eu não iria para de tentar achar a cura, não iria me conformar em deixar alguém de cama.

BAG: Qual a mensagem que o senhor quer deixar para os músicos do futuro?

LY: Para todos os músicos, ou aqueles que pretendem ser músicos, existem dois caminhos: ou você nasce com um dom próprio ou você estuda para dar o seu melhor.
Para aqueles que não são autodidatas, como eu sou, é necessário estudar. Até mesmo aqueles que nascem abençoados pelo universo devem estudar. Por exemplo, Yamandu Costa, que praticamente cresceu do meu lado, nasceu com o dom e apesar disso, com todo o trânsito mundial que ele tem, viu a necessidade de aprender algumas coisas de teoria e prática musical.
Ou seja, voltando ao início da questão, estude certo e com dedicação para ter aquilo que você quer. O estudo é fundamental para qualquer área.

* Estudante da Disciplina: Fontes, Entrevista e Tratamento de Dados
Professor: Marcell Bocchese
Trabalho: Entrevista Pingue-Pongue
Semestre: 2023/4

Foto: Fábio Rausch (Assessoria da Câmara Municipal de Caxias do Sul)

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