Especialistas e a própria ferramenta da OpenAI põem na mesa o que dá para esperar da relação jornalismo-inteligência-artificial para o futuro

por Luca Roth*

A inteligência artificial (IA) põe o jornalismo em xeque? É uma pergunta, no mínimo, intrigante e complexa, assim como qualquer questionamento sobre o futuro. Mas, isso não quer dizer que essa dúvida não esteja presente nas reflexões dos profissionais da imprensa.

“Jornalismo é feito por pessoas e não por robôs”, defende Thiago Domenici, editor-chefe da Agência Pública. Com 20 anos de cobertura jornalística na bagagem, acumulando passagens pela Folha de S. Paulo, El País Brasil e Carta Capital, ele acredita que o jornalismo não será substituído pela inteligência artificial.

O jornalista projeta que, na verdade, vai ocorrer uma adequação dos processos da profissão que terão auxílio da IA. Ele diz que os efeitos já estão ocorrendo a partir da criação de ferramentas, como a leitura de reportagens por bot, como são chamados os robôs.

“É possível [a coexistência do jornalismo e da IA] e será assim desde que existam políticas de uso claras e regras éticas para esse uso. Algo que deve ser evitado e condenado é IA escrever uma reportagem, por exemplo”, defende Domenici.

A Pública é um veículo que produz jornalismo investigativo independente e sem fins lucrativos online. Atualmente, é um dos únicos que assume publicamente o uso da inteligência artificial para alguns processos.

Por meio de uma política de uso de IA, a agência estabelece que as ferramentas tecnológicas devem ser utilizadas apenas internamente para auxílio de reportagens, e não como produto final. Normalmente, é o caso de matérias que reúnem dados complexos, análise de redes e grande base de dados. Quando isso acontece, o leitor é avisado ao final da reportagem, segundo o veículo.

A política de uso da Pública deixa claro que não considera a chamada IA generativa, como o Chat GPT, uma fonte primária de informação. Utilizam, por outro lado, o auxílio da inteligência artificial da empresa My Good Tape para transcrição de áudios.

A leitura de reportagens por IA também está disponível no site desde o último dia 26 de outubro de 2023. São áudios de oito a vinte minutos que reproduzem a voz de um bot “com uma voz e cadência que soam naturais e engajantes” ao transmitir os conteúdos. Para isso, o veículo utiliza o programa ElevenLabs, que elabora áudios a partir de texto com leitura por IA.

Porém, a influência da tecnologia não é uma exclusividade das atividades que competem aos mediadores da informação. “Podemos dizer, com toda a certeza, não somente da atividade jornalística, que a inteligência artificial vai transformar a atividade humana de uma forma geral. Disso estamos seguros e já temos indicativos muito fortes desse tipo de evento”, garante o doutorando em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lucas Taufer.

Ele entende que a inteligência artificial, assim como qualquer tecnologia, está à disposição dos seres humanos para resolver problemas. Para Taufer, a reflexão sobre os desígnios da IA está no uso e “no sentido que a atividade humana vai atribuir para este tipo de tecnologia”.

Por sua vez, o bot online do Chat GPT anuncia que a inteligência artificial já está tendo e continuará a ter um impacto significativo no campo do jornalismo. Na prática, segundo o programa da OpenAI, a IA está presente na “automação de escrita, podendo ser utilizada para criar automaticamente artigos simples, como relatórios de dados, resultados de jogos e atualizações financeiras.”, por exemplo.

Questionado sobre o impacto da IA nos processos jornalísticos, o Chat GPT respondeu que os jornalistas  podem ter “mais tempo para focar em grandes reportagens”. Para a ferramenta, a “análise de dados é outra funcionalidade que pode proporcionar, analisando conjuntos de informações para identificar tendências”.

Ainda indagado sobre o impacto da IA no jornalismo, o ChatGPT, como quem pede calma, diz que é uma questão complexa. Segundo a ferramenta, a inteligência artificial pode desempenhar um papel importante na produção de conteúdo “mais simples”.

“No entanto, muitos aspectos do jornalismo, como investigação, narração de histórias emocionais e interpretação de eventos complexos envolvem elementos humanos, como empatia, julgamento ético e sensibilidade. Essas habilidades humanas são difíceis de replicar totalmente por meio da IA.”, admite o bot.

O Chat GPT acrescenta ainda que o papel central dos jornalistas humanos na criação de conteúdos de qualidade e nos julgamentos éticos permanecerá sólido no futuro. “A essência do jornalismo continua profundamente ligada à capacidade humana de contar histórias e analisar o mundo ao nosso redor”, complementa.

O cuidado com a informação também é visto com importância por Taufer, que alerta para brechas que podem surgir para maus usos da IA na atividade jornalística. “Por exemplo, a geração automática de textos sem revisão, usos de ferramentas para outros fins que não aqueles que poderíamos dizer que seriam fins bons, justos ou adequados para a atividade jornalística, como plágio, análise parcial e tendenciosa de informações, usos imorais das informações”, diz.

Ou seja, assim como em tempos de surgimento do rádio, da televisão e da internet, e seus respectivos desafios, cabe aos jornalistas assegurar o cumprimento dos pilares da profissão independentemente das transformações tecnológicas.

*Material produzido na disciplina de Oficina de Webjornalismo do curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul. Professora Paula Sperb. 2023/4.

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