Casais compartilham as dores, desafios e caminhos da infertilidade. Entre tentativas, perdas, tratamentos e a descoberta da maternidade também pela adoção
Por Camila de Oliveira e Paula Moschem
A espera por um teste positivo de gravidez faz parte da rotina de milhares de mulheres e casais que se reconhecem na condição de tentantes. Entre exames, consultas e a expectativa a cada novo ciclo, a infertilidade surge como um obstáculo inesperado e, muitas vezes, doloroso.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 15% da população em idade fértil enfrenta dificuldades para engravidar, um cenário que expõe não apenas questões médicas, mas também os impactos emocionais e sociais de quem sonha em aumentar a família.
De acordo com a ginecologista Lisiane Knob, especialista em reprodução humana, a procura por tratamentos de fertilidade vem crescendo nos últimos anos. Para a médica, esse aumento se deve tanto à maior incidência de casos de infertilidade quanto à quebra de tabus.

— Antes, a infertilidade era vista como uma vergonha. Hoje, falar em ser tentante, compartilhar experiências e buscar ajuda deixou de ser um estigma, e isso motivou mais pessoas a procurarem acompanhamento especializado. — observa.
Entre as principais causas da infertilidade estão fatores femininos, masculinos e mistos. Lisiane destaca que cerca de 30% a 35% dos casos são de origem exclusivamente masculina, outros 30% a 35% exclusivamente feminina, enquanto aproximadamente 10% não apresentam causa aparente. No caso das mulheres, a idade avançada e a baixa reserva ovariana estão entre os fatores mais determinantes. Já entre os homens, varicocele — varizes nos testículos — é a causa mais comum.
— Além disso, hábitos de vida como sedentarismo, má alimentação, consumo de álcool, tabagismo e estresse também impactam a qualidade dos gametas. — acrescenta.
Quando o diagnóstico aponta necessidade, os tratamentos variam de procedimentos de baixa complexidade, como indução de ovulação e inseminação intrauterina, até a fertilização in vitro (FIV), indicada em situações mais graves ou em pacientes de idade avançada. Ainda assim, a médica reforça que as chances de sucesso estão diretamente ligadas à idade.
— A grande dica é: não demore. Quanto antes é feito o diagnóstico, melhores são as taxas de sucesso. Mesmo na fertilização in vitro, a idade do óvulo é a nossa principal barreira biológica. — afirma.
Se do ponto de vista médico a idade e os fatores biológicos são determinantes, no campo emocional a infertilidade traz desafios igualmente profundos. A psicóloga Mariana Marcon explica que o maior obstáculo para casais tentantes é lidar com as expectativas frustradas.

— Muitos chegam com a vida organizada para receber um bebê e, diante da negativa, sentem como se estivessem fracassando. A comparação com outros casais e o medo de nunca conseguir o tão esperado positivo alimentam níveis altos de ansiedade. — destaca.
Segundo ela, os sintomas mais comuns nesse processo são ansiedade, culpa, frustração e até depressão. E homens e mulheres vivenciam a situação de formas distintas: enquanto eles tendem a sofrer de forma solitária, marcados pela vergonha associada à masculinidade e fertilidade, elas carregam mais a culpa e vivem em constante estado de alerta, acompanhando cada ciclo menstrual e exame. A pressão familiar também influencia o bem-estar.
— Quando o sofrimento é banalizado, o casal se sente solitário e incompreendido. O apoio verdadeiro é ouvir sem julgamentos e sem dar conselhos invasivos. — orienta.
A especialista lembra ainda que a relação conjugal também pode ser abalada. O sexo muitas vezes passa a ser visto como obrigação, e não mais como conexão. Ela ainda ressalta que é comum surgir dificuldade de comunicação, medo de tomar decisões e perda de intimidade.
Para lidar com o medo de não conseguir engravidar, Mariana recomenda focar no que está sob controle: manter hábitos saudáveis, cuidar da saúde mental e preservar o vínculo afetivo do casal.
— É importante compreender que o processo não significa incapacidade, mas sim um caminho em andamento. E falar sobre isso, seja na terapia, com amigos próximos ou em grupos de apoio, pode trazer alívio. — conclui.
O sonho multiplicado

Quando Neiva Beatriz e Gilnei Bremstrop decidiram que era hora de aumentar a família, não imaginavam que o caminho seria tão longo e cheio de obstáculos. Foram dez anos de tentativas, consultas médicas e uma rotina marcada por exames, diagnósticos incertos e até cirurgias.
— Cada mês era uma esperança renovada e, logo depois, uma frustração enorme. A gente chegava a acreditar que não ia acontecer. — relembra Neiva.
O casal tentou diferentes tratamentos, mas a fertilização in vitro acabou se tornando a principal chance de realizar o sonho da maternidade. O que não esperavam era a surpresa: a gestação não trouxe apenas um bebê, mas três.
— Quando ouvimos que eram trigêmeos, foi um choque. A alegria vinha junto com o medo, porque sabíamos dos riscos de uma gravidez múltipla. — conta.
Os meses seguintes foram de vigilância intensa. Neiva precisou reduzir o ritmo, seguir à risca as orientações médicas e conviver com a ansiedade de levar a gestação até o fim. Ela relembra que foi um período muito delicado, que apesar de acreditar que tudo daria certo, algumas noites foram marcadas pela ansiedade de um futuro de incertezas.
O nascimento dos trigêmeos, Gabriel, Eduarda e Rafael, foi marcado pela emoção e também pela mudança radical de vida. A casa que antes parecia silenciosa se encheu de choros, mamadeiras, fraldas e a rotina virou de cabeça para baixo. O apoio da família e até da vizinhança foi fundamental.
— Tinha dia que a gente não sabia como dar conta de tudo, mas sempre aparecia alguém para ajudar, nem que fosse trazendo comida ou cuidando de um bebê por algumas horas. — relata Neiva.
As crianças foram crescendo saudáveis, cada um criando sua personalidade e seguindo sua vida. Mas a história da família Bremstrop ainda teria uma reviravolta. Aos 40 anos, Neiva recebeu a notícia inesperada de uma nova gravidez, mas dessa vez, o processo aconteceu de forma natural. Em outubro de 2015, Sofia chegou para completar a família, quebrando diagnósticos e previsões médicas. Hoje, com 10 anos, ela representa para os pais a prova de que a vida sempre pode surpreender.
— Era o nosso sonho, e ele se realizou. Cada fase foi uma transformação, mas é um sonho que continua todos os dias. — resume Neiva.
A história do casal mostra que a infertilidade, embora dolorosa e cercada de desafios, não significa o fim do sonho da maternidade. Pelo contrário: com apoio, resiliência e esperança, Neiva e Gilnei descobriram que a vida pode surpreender e multiplicar o amor de formas que eles jamais imaginaram.
Adoção: quando o sonho da maternidade encontra um novo caminho

Depois de um ano de tentativas sem sucesso para engravidar, Monica Reck e Tarciso Rodrigues iniciaram uma longa jornada em busca de respostas médicas. Foram inúmeros exames, tratamentos e até cirurgia, mas nunca se chegou a uma causa provável para a infertilidade.
— Todos os meses era uma expectativa, uma angústia e uma decepção. — lembra Monica.
As cobranças externas e os comentários de conhecidos tornaram o processo ainda mais doloroso. As piadas sem graça das pessoas mais próximas doíam muito, como comentários do tipo “até fulana engravidou e tu não” ou “estão esperando o que para ter filhos?”. Ninguém sabia as lutas que o casal já enfrentava para realizar seu sonho.
Com a indicação médica para inseminação artificial, opção que não fazia parte dos planos do casal, eles decidiram se inscrever na fila da adoção. O processo foi longo: dez anos de espera, algumas chamadas que alimentaram esperanças, mas não se concretizaram. Até que chegou o dia de conhecer três crianças que viviam em um abrigo.
A ideia inicial era lutar para adotar a bebê de nove meses, mas foi uma menina de um ano e dois meses, que conquistou o coração da família. A pedido do juiz, o casal passou oito meses visitando o abrigo duas vezes por semana, até que receberam a guarda provisória.
— Naquele dia, nossa vida se transformou. A dor de não conseguir engravidar já não me machucava mais. Era como se a ferida tivesse sido curada. Quando você adota, você não sabe quando vai acontecer, então não tem tempo para se preparar. Simplesmente acontece. Mas é maravilhoso. É um amor que eu nem consigo explicar. — conta.
Mesmo diante das frustrações e desafios das tentativas de engravidar, a maternidade pode se realizar por caminhos inesperados. A adoção surge como uma oportunidade de transformar a espera em esperança, mostrando que o amor de mãe não depende da gestação. Lariane veio como uma resposta das orações de Monica e Tarciso.
Sete anos de espera: a jornada pelo sonho da maternidade

Franciele Paim, 39 anos, e Marciano Dallabarba, 36, carregam há sete anos a expectativa de realizar o sonho da maternidade. Desde o início do relacionamento, ambos tinham o desejo de ter filhos e, já no começo da vida a dois, decidiram tentar engravidar.
O casal acreditava que seria algo rápido e natural, mas a realidade se mostrou diferente. Ao longo desse tempo, o casal chegou a experimentar a alegria de ver o resultado positivo no teste de gravidez. No entanto, a felicidade logo deu lugar à dor, marcada por três abortos espontâneos ainda no início da gestação.
— Cada negativo é uma decepção, uma tristeza, uma sensação terrível de que todo mundo pode menos nós. Tenho muita expectativa, mas também tenho muito medo, medo de mais um aborto. — desabafa.
Com o passar do tempo, cada resultado negativo trouxe um misto de frustração, tristeza e sensação de incapacidade. A ansiedade passou a marcar o processo, misturando esperança e medo de enfrentar novas perdas. Para lidar com as pressões externas, Franciele buscou refúgio no apoio da mãe, mas optou por não compartilhar a situação com outras pessoas, evitando perguntas e cobranças que só aumentavam a dor.
Na busca por respostas, os dois recorreram a acompanhamento médico. Ainda não há um diagnóstico fechado, mas Franciele segue em tratamento com medicamentos. Nesse período, o casal também aprendeu sobre a força da relação que os une, destacando o apoio constante e incondicional de Marciano como essencial para enfrentar os desafios.
— Aprendi que temos um amor surreal um pelo outro. Ele sempre me apoia em todos os sentidos. — conta.
Apesar das dificuldades, os planos para o futuro seguem firmes. A expectativa de viver cada etapa da gestação, preparar o enxoval e celebrar momentos como o chá revelação ainda faz parte dos sonhos de Franciele. Ao mesmo tempo, a adoção também surge como uma possibilidade, caso a gravidez natural não aconteça.
Entre a dor das negativas e a esperança que se renova a cada tentativa, a história de Franciele e Marciano reflete a trajetória de milhares de casais que enfrentam a infertilidade no Brasil. Para eles, a maior lição desse caminho é a de que nem tudo acontece conforme o planejado, mas que é preciso confiar nos propósitos maiores da vida.
A jornada da maternidade, para muitos, não segue o caminho esperado. Entre consultas médicas, diagnósticos incertos, expectativas e perdas, cada casal descobre seus próprios limites, sua força e também novas possibilidades de realizar o sonho de ser pai e mãe.
Seja pela persistência em tratamentos, pela coragem de enfrentar os desafios emocionais ou pela decisão da adoção, o que une essas histórias é a certeza de que o desejo de formar uma família resiste ao tempo, às frustrações e aos julgamentos externos.
No fim, mais do que uma questão biológica, a maternidade e a paternidade se revelam como experiências de amor, resiliência e transformação, capazes de nascer de várias formas e de multiplicar-se de maneiras inesperadas.
Ouça a entrevista completa com a ginecologista Lisiane Knob:
Produzido na disciplina Webjornalismo da professora Janaína Kalsing do curso de jornalismo da UCS.


