Em meio à pressa do digital, jovens redescobrem o carinho e a memória revelada na prática com filmes fotográficos
Por Vitor Ló
Volta e meia, o que era popular no passado, e caiu em desuso, retorna ao gosto popular com uma roupagem vintage — palavra utilizada para designar tudo aquilo que é antigo, mas ainda se encontra em um bom estado de conservação e pode ser utilizado — unindo os nostálgicos às gerações que não tiveram contato com essas tendências. Esse é o caso das câmeras fotográficas analógicas que, de uns anos pra cá, têm reconquistado parte do espaço ocupado pelas câmeras digitais nos anos 2000 e, posteriormente, pelos smartphones.
Antes, o que era exclusivo no registro de imagens tornou-se um caminho para fugir do imediatismo que os aparelhos digitais priorizam. A ideia que muitas pessoas têm é de que as fotos tiradas com o celular não expressam mais a espontaneidade que se tinha antes e, tampouco, estimulam a criatividade. Em vez de ligar a câmera do celular, tirar uma foto, ver como ficou e, dependendo do clique, publicar nas redes sociais em poucos minutos, as analógicas exigem mais dedicação e paciência, uma vez que, para observar as fotos, é preciso completar um filme e mandar para revelar.
A estudante Isabella Jacobs Tonelli, 24, moradora de Caxias do Sul, passa por uma experiência parecida. Nascida na Geração Z, teve pouco contato com as câmeras de filmes antes do boom dos aparelhos digitais. Navegando na internet, e com ajuda de uma amiga, percebeu que ainda era possível eternizar momentos com as câmeras guardadas, pegando poeira em casa. Para ela, o que no passado era visto como limitação a atraiu no passatempo. Ela enxerga as fotos reveladas com o carinho que há muito tempo não sentia tirando selfies com o celular.
— Sempre fui interessada pela fotografia, mas foi conversando com uma amiga que tira fotos com [câmera] analógica que percebi que podia dar uma vida nova à câmera que minha família tinha em casa. O processo já começou com descobertas muito especiais. Quando peguei a máquina pela primeira vez, encontrei um filme antigo com várias fotos de quando eu ainda era criança. Acredito que esse é o aspecto mais interessante de usar uma analógica: sempre revisitar uma memória, seja ela recente ou de anos atrás.

Obstáculos para manter a prática
Imersa no mundo dos filmes fotográficos há pouco mais de dois anos, Isabella encontra alguns obstáculos para manter ativa a paixão, a maioria deles em relação ao custo dos equipamentos. Problemas como a pandemia da covid-19, a alta do dólar e a baixa produtividade fizeram com que as películas tivessem os preços elevados, com aumento constante nos últimos anos. Hoje, um filme novo de ISO 200, com 36 poses, ultrapassa o valor dos R$ 100, podendo aumentar em outras configurações. A estudante conta que, desde que começou a fotografar, conseguiu comprar apenas três rolos de filme, uma vez que também gasta para revelar as fotos.
— Gasto em torno de R$ 160 no processo de comprar um filme e depois revelar as fotos. São de 24 a 36 fotos por rolo, então preciso escolher bem o que vou fotografar para não acabar rápido com os cliques disponíveis. As fotos que eu tirei em fevereiro deste ano vão ser reveladas apenas em dezembro. É uma atividade que me deixa muito feliz, mas, devido às questões financeiras, já pensei algumas vezes em desistir. Tem que gostar bastante e ter paciência.

Como funciona: no processo analógico, as imagens são capturadas pela passagem de luz no obturador, que expõe o filme fotográfico com cristais de haleto de prata. Para revelar, o rolo utilizado é exposto a um processo químico: a imagem negativa no filme é transformada em visível por meio de uma reação fotoquímica com produtos químicos como o revelador (convertendo os haletos de prata em prata metálica) e o fixador (removendo os haletos não expostos). Saiba como o processo surgiu.
E para quem trabalha com fotografia analógica?
O professor dos cursos de Fotografia e Produção Audiovisual, da Universidade de Caxias do Sul, Gustavo Luiz Pozza, e o fotógrafo Marcos Martins Antunes criaram juntos, no início de 2025, a Frame.36, loja virtual focada em produtos do universo da fotografia analógica. A dupla comercializa filmes de 35mm, câmeras usadas, lentes, acessórios e até mesmo os químicos utilizados no processo de revelação das fotos.

As expectativas de Pozza para o negócio são positivas. Ele enxerga o retorno das fotos clássicas como uma retomada, assim como vem acontecendo com os discos de vinil. A tendência é que, com mais pessoas procurando investir no analógico, haverá aumento na oferta e, consequentemente, preços mais acessíveis.
— As pessoas voltaram a fazer fotos com filmes por se interessarem em processos alternativos. É como uma antítese, assim como o caso do vinil, com o CD e depois com o MP3, e como a publicação impressa, em oposição às publicações digitais; o interesse se transforma em nicho e ele se fortalece. Conforme a fotografia foi se digitalizando cada vez mais, a gente foi tendo uma retomada de pessoas interessadas em fazer processos manuais. Esse movimento é cíclico. É natural e deve ocorrer com outras tecnologias. Então, eu acho que essa dificuldade que a gente tava passando até um certo tempo já cessou e a tendência é que seja mais fácil encontrar esses materiais.
Quanto à oposição ao processo digital, Martins explica que um processo não substitui o outro, mas se complementam.
— A gente consegue trazer essa conversa do analógico ao digital, de ter a película na mão, mas também ter ela escaneada. É possível conseguir fazer essa conversa, podendo até disponibilizar na internet. Embora a ideia nasça como uma antítese, os dois mundos acabam andando juntos, não separados.
Na produção da matéria, foram feitos testes com a câmera Ultra F9, da Kodak, utilizando o filme Ilford HP5 Plus 400 — Preto e Branco 35mm. Confira:




Produzido na disciplina Webjornalismo da professora Janaína Kalsing do curso de jornalismo da UCS.


