Como lidar com as incertezas que as tragédias climáticas provocam

Por Marielly Bierhals e Talita Masiero

“A cada chuva mais forte, dá aquele pânico, vontade de fugir”.

O relato de pavor é do agricultor Pedro Pasquali, uma das vítimas das últimas três enchentes do Rio Grande do Sul. As mesmas que causaram não só grandes perdas materiais, mas também de muitas vidas no Estado. A filha Júlia, estagiária e estudante de Artes, conta que, na inundação de maio, foi desesperador não conseguir chegar até a casa do pai, morador de Bento Gonçalves, na região da Alcântara, e não conseguir contato com ele. “Entrei em desespero, me senti impotente”, relata. Os sentimentos de pai e filha, atingidos pela maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, são sintomas característicos da ecoansiedade. Aliás, você já ouviu falar neste termo e sabe o que ele significa?

Julia Pasquali e pai Pedro Pasquali | Foto: Júlia Pasquali

Segundo o psiquiatra Roberto Nichetti, a ecoansiedade pode ser definida como um tipo de ansiedade sinal, que tem como principal motivo a surpresa e a inesperabilidade. “Nós tivemos, em setembro do ano passado, enchentes que afetaram diversas regiões da Serra Gaúcha, porém, não se imaginava que em maio deste ano teríamos algo muito maior”, comenta o profissional. Por mais que possa ser parecida com a ansiedade comum, a ansiedade climática se diferencia pelo medo de algo realmente ser possível de acontecer. Exemplo disso são as inundações que assolaram o Estado em, mais de uma vez, e foram se agravando, ou seja, tomando maiores proporções, algo que os sistemas meteorológicos apontaram

Mas, ao contrário do que se pensa, os sentimentos de Pedro e Julia não são recentes, muito menos frutos de nossa geração e dos últimos acontecimentos. Nichetti explica que esse tipo de sensação acompanha a humanidade ao longo de vários anos, desde os tempos das cavernas, período no qual o homem tinha medo de tempestades e raios cósmicos.

A pesquisa Ecoansiedade entre Jovens: Resiliência e Demanda por Ação Climática, realizada em 2022, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), aponta que 57% dos jovens experimentam ansiedade ecológica.

Laura, 20 anos, estudante de Relações Internacionais, também sente preocupações ligadas a crise climática: “Acho que assusta bastante. Vemos as coisas que estão acontecendo ao nosso redor e vamos nos assustando com a nossa expectativa de futuro e de como vai ser. Provavelmente, pior.” O medo do amanhã é algo intrínseco ao ser humano, porém, com o agravamento das crises climáticas, o sentimento pode se tornar paralisante.

Para a estudante, o gatilho para o sentimento começou durante a pandemia da Covid-19, que ceifou a vida de milhares de pessoas no Brasil. “Começamos a ver muitas coisas, e o medo só aumentou em mim. Há descongelamento de geleiras, é possível que muitas doenças novas apareçam e que outras, já extintas, voltem. E isso tudo me deixa realmente preocupada.”

A psicóloga Victória Kofler Puchalski destaca que a ansiedade, de forma geral, é uma emoção que todos nós sentimos. Mas ela pode estar voltada, especificamente, a questões ambientais:

“Na época das enchentes, as pessoas, na sua imensa maioria, ficaram ansiosas com a situação, preocupadas como as coisas iam se desenrolar a partir dali e era completamente congruente com a situação. Então, ficar preocupado, imaginar a probabilidade daquele futuro, é completamente natural e congruente com a situação. Quando a gente começa a se preocupar, e a situação mais aguda passou, porém a pessoa permanece com aquela mesma sensação, com aquela angústia ou preocupação excessiva, procurando sempre notícias para saber o que está acontecendo, sempre envolvido dentro daquele assunto.”

Vista aérea da cidade de Encantado, tomada pela enchente. | Foto: REUTERS/Diego Vara

A emergência climática bateu na porta dos gaúchos já faz algum tempo, porém, com maior intensidade desde 2023, especialmente em razão dos altos acumulados de chuva e todos os transtornos causados pelo excesso de água. O que se percebe é que, mesmo passada a fase mais aguda, o trauma provocado pelas enchentes persiste. Reviver dias de pânico e apreensão é assustador para muitas pessoas.

Esses sintomas, provenientes da ecoansiedade, também são intensificados pelo grande número de notícias acessadas, principalmente sobre a crise climática e o aquecimento global. Quanto mais as pessoas se cercam de informações, mais as relacionam a sua responsabilidade pelo que está acontecendo no planeta. “Isso porque estamos mais confortáveis com as nossas tecnologias e menos preparados para esse enfrentamento do que na antiguidade”, sugere Nichetti.

A melhor forma de enfrentar a ansiedade é avaliar o que realmente cada um tem controle, avalia a psicóloga Victória: “Me concentrar no que é cinco, no que é 10, no que é 20, no que é 50 anos, não vai me trazer um resultado eficaz. E vai me gerar muito mais preocupação, porque são um infinito de possibilidades. Então, o mais eficaz é confrontar esses medos com pensamentos que possam contrapor.”

“O melhor remédio para a ecoansiedade, após um evento climático traumático, é o tempo” afirma o psiquiatra Roberto Nichetti.

A esperança deve sempre ser uma constante, apesar de todas as adversidades, pensando que o dia de amanhã há de ser melhor e que não temos provas do contrário. Entretanto, o psiquiatra ressalta que, se os sintomas persistirem a ponto de atrapalhar o dia a dia, é importante pedir ajuda.

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