Jornalista conta experiências de trabalho em veículos de comunicação tradicionais e nas mídias digitais

Por Alison Zimmer, Juarez Marcante, Maria Eduarda Panizzi e Michelle Pértile – Turma de Jornalismo Especializado – 2022/2

O Jornalismo proporciona diversas áreas de atuação no mercado de trabalho. Atualmente, é um desafio dos graduandos de comunicação decidirem seguir em busca de trabalho em um veículo tradicional ou no aprimoramento nas novas mídias digitais. Para falar sobre o tema, conversamos com uma jornalista que experimentou os dois mundos: Patrícia Taufer. Repórter por 25 anos em emissoras como TV Globo e SBT, conquistou diversos prêmios, entre eles o 1º lugar no Prêmio Rede Globo de Jornalismo, em 2008. Desde 2017, empreende no jornalismo fora das telas como mentora em Comunicação e Oratória.

Por que você escolheu cursar Jornalismo há 30 anos?

Na verdade, eu tinha uma motivação humanitária, porque eu sempre achei que eu gostaria de realizar um trabalho no qual eu pudesse ajudar as pessoas. Então, inicialmente, eu pensei em ser promotora de Justiça. Eu queria fazer Direito. Tanto que  no meu primeiro vestibular que eu fiz foi para Direito, para testar. E aí, quando eu fui fazer para valer no 3º ano do Ensino Médio, abriu a primeira turma de Jornalismo. Aí eu pensei: faz muito mais sentido eu ser jornalista. Eu senti propósito quando pensei em fazer esse vestibular. Então a minha motivação foi essa. Eu queria uma profissão onde eu pudesse dar voz para as pessoas nos seus locais de trabalho, onde moravam.

Quem foi a sua inspiração durante a graduação? 

Cristiane Finger. Ela foi nossa professora de telejornalismo, ela era repórter do SBT na época e ela é professora da PUC agora. Ela foi minha orientadora do TCC e eu nem sei se ela sabe, mas ela foi uma das minhas grandes inspirações. Eu lembro até hoje de um texto de TV que eu estava fazendo e ela ensinou a gente a usar a lauda. Lembro de fazer esse texto 30 anos atrás. Era legal conversar com quem já esteve no front, na vida real, acho que era isso que ela trazia. Para nós, ela trazia vida real do Jornalismo, fechamento de jornal. Ela foi trazendo um mundo por trás das câmeras e isso me encantava muito. Eu acho que ela trazia um ar, sabe, diferente. Trouxe a possibilidade de executar o que a gente estava aprendendo na faculdade na vida real, no Jornalismo real, eu acho que era isso que me encantava nela. 

No decorrer da sua carreira, houve alguma experiência que te marcou?

Várias. Vou trazer uma reportagem que não foi premiada, de rede nacional, mas foi uma reportagem onde você percebe que ajudou de alguma forma. Teve uma vez que houve uma enchente aqui perto de Guarulhos, há uns seis, sete anos. Foi uma enchente que deixou um bairro alagado por meses. Então as pessoas tinham água pelo menos na canela, no joelho, na coxa, dependendo da região onde moravam. Era um negócio que não se resolvia e a gente fazia matérias o tempo todo. A gente chegava lá de barco, usava capa e estava chovendo muito. A gente limpinho, e aí você olhava para aquelas famílias e eles estavam morando ali, descalços, com as crianças por perto. E, assim, se não tivesse a gente naquele momento, e mesmo com a gente você vê que demorou para o negócio mudar, mas se não tivesse a imprensa ali é bem provável que  ninguém iria se importar com essas famílias, sabe? Então essa foi impactante, porque, assim, eu sempre me envolvi nas matérias, ficava com o telefone das famílias, mas nessa situação específica tinha uma mãe que veio falar comigo e veio dizer que o filho dela estava com um problema seríssimo de saúde por conta da enchente. Ela ia em um posto de saúde que tinha em uma tenda, mas ela não conseguia ser ouvida. Aí eu fui lá, falei o nome dela, e ela conseguiu consulta. Ela não tinha dinheiro para comer, aí demos uma grana para ela. Eu sei que essa não é a nossa função. Nossa função é, de fato, expor uma realidade e buscar para que as pessoas consigam enxergar uma situação que a maioria das pessoas não veem. 

Como você conseguiu desenvolver o papel social de repórter enquanto estava na profissão?

Engraçado, porque eu sempre pensei que o Jornalismo fosse uma profissão como se a gente fosse um servidor público, ou seja, que está a serviço das pessoas, mas a gente serve também aos donos dos veículos para os quais a gente trabalha e essa dicotomia me trouxe uma certa tristeza, sabe? Então, eu realmente consegui fazer isso por muito tempo, mas chegou uma época que eu comecei a achar que eu não estava mais conseguindo prestar o serviço que eu queria ou que eu achava que eu devesse fazer, porque a partir do momento que você vai subindo na carreira, tem muita interferência em uma reportagem, ainda mais uma reportagem que demanda alguns cuidados específicos. O que acontece: dependendo do tipo de matéria que é e do jornal que ela vai ser divulgada, o nosso olhar como repórter vai esfriando, entende? Ele vai esfriando, porque aí tem outros interesses que entram na história e eu era muito idealista no início, até perceber que tinha essa grande interferência mesmo e aí eu comecei a fazer alguns questionamentos internos meus, sabe? Eu realmente acredito que a gente tenha um papel social, não importa onde a gente esteja, a gente vai trabalhar para outras pessoas, é difícil um jornalismo independente, normalmente você vai trabalhar para um veículo, um veículo tem dono, tem interesses, mas tudo bem, e tá tudo certo e cada um tá no seu papel, a questão é como você consegue trabalhar na trincheira com esse olhar.

“É tudo muito intenso. Envolver-se na escuta, interessar-se genuinamente pelo outro e se cuidar, se cuidar emocionalmente, porque a gente precisa estar bem para conseguir ser porta-voz.”

Como é viver o Jornalismo fora do tradicional? 

A gente não deixa de ser jornalista. Hoje o que eu entrego para o mundo não é jornalismo, mas eu não perdi esse meu treino de jornalista, de olhar para as coisas, e é muito interessante, muito do que eu desenvolvi trabalhando como jornalista e repórter durante 25 anos é o que me alimenta hoje para fazer o que eu faço. Quando eu saí da TV, honestamente, eu achava que eu ia pegar esse pedaço da minha vida, iria fechar com uma chave e iria guardá-la. Eu não sabia o que ia fazer. Depois que as coisas foram aparecendo, não é que defini o que eu queria fazer quando eu saí da TV. Eu saí da TV porque eu estava esgotada e precisava sair para respirar e não adoecer, sabe? Mas é interessante pois hoje em muito do que eu faço eu vou beber daquela fonte. Quando eu vou ensinar alguém, ou melhor, compartilhar um pouco do que sei, do que funcionou comigo com outras pessoas que desejam desenvolver sua comunicação, às vezes eu vou lá beber da entrevista, às vezes eu vou lá beber de como era o dia a dia na apuração de uma reportagem, como era uma edição, qual era a agilidade que a gente tinha que ter, como é você chegar em um lugar, e você fazer uma leitura do ambiente, de saber quem é quem, o que eu tenho que conversar aqui, então, não é algo que ninguém te treina.

Qual a mensagem que você deixa para os estudantes de Jornalismo de hoje? 

Eu diria assim: não tem como a gente fazer o nosso trabalho bem feito se a gente não se interessar por pessoas mesmo, um interesse real, um interesse genuíno, sabe? Porque às vezes, eu falo por mim, você tem uma pauta e atropela o seu entrevistado para trazer aquilo que precisa para a redação. Eu falo porque já fiz isso. Por mais que você tenha um deadline, um prazo de entrega, por mais que você tenha pressa, desenvolve a escuta e se interesse pelas pessoas que vão passar pela sua frente. Para nós que temos a função de ouvir e transmitir, a gente precisa ouvir com ouvidos sem julgamentos, é difícil. Vai haver situações em que você vai passar por medo, situações de revolta, de muita alegria, e a vida é isso, a profissão é assim. Sabe o que eu acho também? É tudo muito intenso. Envolver-se na escuta, interessar-se genuinamente pelo outro e se cuidar, se cuidar emocionalmente, porque a gente precisa estar bem para conseguir ser porta-voz.

Foto de capa: Augusto From

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