Durante a disciplina, estudantes entraram em contato com fontes e realizaram entrevista pingue-pongue

Os alunos da disciplina Fontes, Entrevistas e Tratamento de Dados, ministrada no segundo semestre de 2021 pelo professor Marcell Bocchese no curso de Jornalismo da UCS, aplicaram os conhecimentos adquiridos em aula por meio de atividades práticas. A partir do contato com fontes de informação, os estudantes definiram uma pauta e realizaram entrevistas pingue-pongue (perguntas e respostas), aplicando técnicas de entrevista e redação de conteúdo jornalístico.

O trabalho resultou em diferentes produções, como a da aluna Paula Moschem Gabrieli, que entrevistou a modelo Manuela Thibes e contou sobre a carreira dela, amadurecimento e autoconhecimento.

Outro texto foi produzido pelo estudante Luca Roth, que conversou com os donos do Zabaratana Café em Caxias do Sul, Jerônimo Ferrigo e Luci Matielli, sobre os 20 anos do espaço que sedia diversos eventos culturais da cidade.

Confira abaixo os textos produzidos pelos alunos: 


20 anos de Zarabatana Café: “Embora consolidado, nossa sensação em relação a ele é de um reinício diário”

Zarabatana Café atualmente, localizado na Rua Luiz Antunes, nº 312, Bairro Panazzolo
Foto: Luca Roth

O ano de 2021 marcou o vigésimo aniversário do Zarabatana Café, palco de diversas atividades culturais de Caxias e ponto de encontro entre amigos apreciadores de um bom papo e excelente cardápio. Residente do também aniversariante Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás, o espaço foi inaugurado em dezembro de 2001 por Jerônimo Ferrigo e Luci Maitelli.

POR LUCA ROTH

Das mãos dela são feitos desde o tradicional expresso aos mais elaborados cafés, com opções que equilibram, junto à bebida milenar, o amaro de um uísque ou rum e o adocicado de um chantilly caseiro, por exemplo. Das mãos dele: pizzas especiais, crepes franceses e outros lanches únicos. Assim, o casal mantém uma fórmula que dá certo há muito tempo. Além do alimento vital, o Zarabatana oferece aos clientes alimento para a subjetividade: artes, pinturas, esculturas, mesas e cadeiras, símbolos e referências.

20 anos de Zarabatana Café. Dá pra dizer que o Zara é como um filho para vocês? Luci: Nos 10 anos do Zarabatana fizemos um vídeo, no qual afirmei que ele sempre estaria perto de nós, por termos desenvolvido desde o início como se fosse a criação de um filho. Trate tudo como se fosse o início, e isso nunca terá fim. Então, para nós, o Zarabatana está sempre começando. Embora consolidado, embora tenha 20 anos, nossa sensação em relação a ele é de um reinício diário. A renovação é essencial para manter a longevidade de tudo.

Jerônimo: Naaa, não, não tem nada de filho. Filho é muito mais complexo (risos).

Não temos a rigidez de um estabelecimento puramente comercial. Lidamos aqui com uma coisa muito mais orgânica”

Vocês dois já tinham ligações com atividades culturais e artísticas antes do Café? De que forma isso influenciou na concepção do Zarabatana?

L: Tínhamos (já) uma ligação pessoal com cultura. O Jê mais ligado a uma música conceitual. E ali se uniu um interesse. Eu tive experiência de bar com o Azul e Blues. E ele trabalhava numa cantina de escola. Em uma escola começamos a aspirar uma nova possibilidade de troca, pois (lá) era limitado, a gente atendia no recreio. E pra eles (escola) também foi um divisor de águas, por que de uma cantina que troca sanduíche por dinheiro (foi para) um bar que tinha música em vinil, lanches diversos e ampliava horizontes. Ali cultivamos uma nova possibilidade de cultura, e nos demos conta de que podíamos fazer muito mais.

Como o Zarabatana se diferencia de pubs, cafés e bares que vemos comumente hoje em dia?

L: Não temos a rigidez de um estabelecimento puramente comercial. Lidamos aqui com uma coisa muito mais orgânica. Desde a música, desde a feitura do que a gente oferece, até nossa maneira de lidar com as pessoas. Existe um padrão (seguido por pubs, cafés e bares), um protocolo, e nada sai fora disso. Quando tu lida com um espaço mais orgânico como o Ordovás, que vem de uma concepção mais alternativa, com um fundamento de movimentos de esquerda, ele sempre estará se renovando, recebendo pessoas de 0 a 60, 70, 80 anos.

Dá pra dizer que vem de um movimento de contracultura, talvez?

L: Certamente. O que você vivencia aqui, provavelmente não encontrará em outro lugar. Não desmerecendo um ou elevando outro, mas são naturezas diferentes.

Como foi elaborado esse cardápio que leva opções com nomes criativos?

L: Nesse momento meu campo criativo veio à tona. Por que isso aqui, enquanto um celeiro de ideias, de possibilidades, que possui um cinema, uma galeria de artes, te estimula na criação. Todos os cafés e chocolates que eu fiz, eu provei, dei pro Jê provar, botava o nome e ia adiante. Faria 50, 60 (cafés) sem problema nenhum.

Zarabatana me encantou pela sonoridade da palavra e pelo significado que representa também… lançar dados de amor (risos)”

Inclusive, o Zarabatana foi um dos precursores a ter opções como massa sem glúten, café com leite sem lactose…

L: Sim. Sucos naturais… A gente começou cedo. Então, veio conosco essa natureza de não ser mais do mesmo. A gente precisa que as pessoas conheçam aqui.

Por que Zarabatana?

J: Na minha trajetória, tive vários bares. E uma das coisas que mais gosto é escolher o nome, né. Surgiram algumas ideias, mas nunca era a definitiva. E quando me veio esse nome: Zarabatana, me encantou pela sonoridade da palavra, e pelo significado que representa também… lançar dados de amor (risos). A curiosidade é que ela tem 5 “As”, e 5 consoantes que não se repetem. E lida ao revés fica “ana tabaraz” (risos), que é o nome de um café (do cardápio) também.

E o início de tudo?

J: Não pense que foi tudo confortável. Se não houvesse de minha parte convicção e perseverança, tinha desistido no segundo mês. Teve ocasiões em que eu vendia um chiclete e uma Coca. Aí tiveram momentos áureos, momentos marcantes, três shows por semana… Experimentamos gestões diferentes da Prefeitura e gestões diferentes da Direção do Ordovás, e cada uma veio com suas óticas. Aquela autonomia, a gente nunca teve, mas mesmo assim, conseguimos manter os fundamentos a que nos propomos.

O Centro (de Cultura Ordovás) não é um autogestor. Ele é recebedor. Então ele conta muito com a comunidade utilizar deste espaço. E, na mesma medida, o Zarabatana”

Como foram os dias de vocês sem a rotina do Zarabatana, fechado durante o ápice da pandemia de Covid-19?

L: Trabalhávamos de segunda a segunda (antes da pandemia). Então eu não conseguia me acostumar a estar em casa, em um horário em que normalmente eu não estaria. Achei que eu fosse ter problemas com isso. De dar um estresse, uma ansiedade. Mas não, comecei a observar, na minha casa, aspectos que eu não conhecia. Tivemos alguns problemas de estrutura financeira, como todo mundo, e agora temos que dar conta disso.

E o retorno?

J: Várias bandas estão nos procurando para voltar com os shows. O que dificulta um pouco é o cachê, né. A Casa (Zarabatana) não pode cobrar ingresso. Então todo cachê da banda, do equipamento, vêm da venda de café, lanche, cerveja… Não tenho a liquidez vinda de uma bilheteria, entende. Tenho que vender as coisas para poder pagar. Faço por amor, né. Às vezes, empata, quando não perde.

L: A gente sempre contou com (o lugar) onde estamos inseridos, (que o Zarabatana) receberia as ações a serem feitas dentro do Centro (de Cultura Ordovás). Mas o Centro não é um autogestor. Ele é recebedor. Então ele conta muito com a comunidade utilizar deste espaço. E, na mesma medida, o Zarabatana.

Talvez seja impossível responder a essa pergunta, mas vou fazer. Há alguma ocasião que marcou mais que as demais?

J: Teve um show do “Os The Darma Lóvers” que foi muito venenoso, há uns 10 anos. (É) um grupo meio místico, lá de Porto Alegre. Teve um show do Júlio Reny que foi muito bom. Teve um do Fred 04, do Mundo Livre S.A., que também foi muito bom. E assim, (uma ocasião marcante) não somente se restringe a shows. Momentos como uma tarde de domingo, de inverno, com uma trilha sonora inspirada, todo mundo em comunhão… Vários momentos.

E um dia que deu tudo errado?

J: Essa semana? (risos). A rigor, todo ofício humano, em algum momento, a pessoa experimenta um desassossego. ‘Pô, por que eu tinha que escolher isso pra minha vida?’ Dá um desconforto em achar que está tudo errado. Eu também, como dono de bar, passo por isso. E o bar é um organismo vivo e, como tal, está sujeito aos ciclos que a vida impõe. Mas com a maturidade tu compreende que são coisas transitórias.

Planos para o futuro do estabelecimento?

L: Na real, temos planos diários. Dependemos muito, também, da absorção disso pela cidade. Óbvio que somos um espaço comercial, embora não pareça. Sendo assim, a gente precisa do amparo do público pra funcionar. Sempre surgem coisas para fazer, embora tenham várias restrições dentro do próprio espaço, do horário e dentro da questão financeira. Nossa ideia era abrir pra cá (apontou para a parte traseira do estabelecimento, onde tem um estacionamento) para fazer uso dessa parte aqui atrás, mas o prédio não permite. Então a estrutura da qual a gente está inserido nos engessa muito.

Diferente do Zarabatana, que a gente vai construindo, a cidade se desmancha, sempre perdendo, invés de ganhar”

E Caxias de 2001 pra cá? Mais avanços ou mais retrocessos?

L: Ela perdeu muito em liberdade, em aspectos de cidadania. Éramos uma geração mais cabeça, com mais movimentos. O Cio da Terra (festival cultural ocorrido na cidade caxiense em 1983, inspirado no célebre Woodstock) é a cara dos anos 80, de onde vim.

Hoje consigo identificar poucos aspectos dessa construção. Diferente do Zarabatana, que a gente vai construindo, a cidade se desmancha, sempre perdendo, invés de ganhar. Essa é a leitura que eu faço.

Qual a contribuição do Centro de Cultura Ordovás ao município ao longo desses 20 anos?

J: É um marco, né. (Aqui) temos uma usina, em alguns momentos, mais efervescente, com saraus, shows, encontros, reuniões, diversão… cultura. Tu não precisa dissociar entretenimento e cultura, entretenimento e arte. Podem andar juntos. E (o Centro de Cultura) tem cumprido isso. Poderia ser mais dinâmico, sim, poderia, mas tem atendido a sua função.


Manuela Thibes: “Uma oportunidade de ganhar dinheiro, respeito dos meus pais, independência e,
ainda, ser quem eu sou? Não pensei duas vezes!”

A modelo conta seus momentos modelando e discorre acerca de conflitos entre amadurecimento e
autoconhecimento

POR PAULA MOSCHEM GABRIELI

Manuela Thibes, modelo de 18 anos das agências JOY Model São Paulo, Why Not Models Milão, Wilhelmina Nova York e IDAL Londres, conta suas vivências em trabalhos, cuidados com o corpo, menciona como surgiu a oportunidade de se tornar modelo e fala sobre conflitos de amadurecimento e autoconhecimento que vem enfrentando.

O que a moda significa para você?

Oportunidade, mas eventualmente acabou se tornando outras coisas. Muito mais que um meio de ser próspera com dinheiro ou de ter fama. Para mim, se tornou algo sobre auto expressão. A moda foi um meio de trazer várias descobertas sobre mim.

Tem alguma rotina de cuidados com o corpo e a pele?

Tenho, aprendi que tenho que ter. Eu malho e faço yoga. Cuido da minha pele com hidratantes e óleos. Precisei tomar Roacutan (remédio utilizado no tratamento de acne severa) por um tempo, por conta das espinhas. Eu era adolescente e a moda exige uma pele perfeita. Cuido do cabelo, tomando vitaminas e suplementos, além de fazer hidratação.

Qual o momento que você menos gosta no trabalho?

O que menos me empolga é a roupa, por ter que ter um cuidado com as peças. A maquiagem é muito legal, mas não é um processo criativo em que estou envolvida. O processo criativo está totalmente sob controle do maquiador e do cliente.

Qual o momento que você mais gosta no trabalho?

O mais legal para mim é ver as minhas fotos e me sentir satisfeita com meu trabalho. Gosto de ver o resultado final.

Qual foi o trabalho mais marcante da sua carreira?

Eu sinto que eu não estava muito presente. Os trabalhos que eu fazia às vezes eram algo muito incrível e não tinha muita noção, sabe? Acho que o meu trabalho mais marcante ainda não aconteceu, porque não me sentia segura. Não sentia que estava brilhando então não era sempre muito legal para mim. Hoje, tenho uma tranquilidade maior, uma paz interior melhor e assim quando eu fizer um trabalho incrível, vou curtir muito, com certeza.

Um lugar em que esteve a trabalho e que pensou: “caramba eu cheguei até aqui”:

Milão, trabalhei para a Prada. Foi “babado”, conheci a dona da Prada, Miucciaa Prada! Isso foi a coisa mais maluca que posso falar que aconteceu.

Ser modelo é seu maior sonho?

Ser modelo é a minha carreira (risos). Eu vejo como um emprego, uma carreira. Tenho muitas realizações profissionais que são incríveis. Mas eu procuro ter cuidado, não fico almejando muitas coisas porque a gente nunca sabe o que pode acontecer.

Quando começou a ser modelo?

No natal de 2016, eu estava na praia e o amigo de um olheiro me viu e passou o contato dele. Em 2017, entrei na agência da Joy Model de Porto Alegre, em que fiquei em acompanhamento o ano todo, fazendo trabalhos em Porto Alegre. Em 2018, com 16 anos, mudei para São Paulo e em 2020 fui para Milão, mas tive que voltar por causa da pandemia de Covid-19.

Quando foi que você percebeu que esse seria seu trabalho?

(suspiros) Então, de novo aquela parada: eu não tinha consciência das coisas que estavam acontecendo e para mim foi um conflito. Comecei a ser modelo basicamente entrando na adolescência, então, todos os meus conflitos pessoais bateram de frente com os conflitos que tinham de ser modelo. Eu nem tinha resolvido as coisas de me tornar uma adolescente, já tinha de me tornar uma adulta e modelo, entende? Quando percebi que esse seria meu trabalho e que iria dar certo, foi quando resolvi essas questões e então me senti confiante o suficiente.

“Foi o momento que eu pela primeira vez, me senti linda!”

Qual foi a sensação de fazer seu primeiro Fashion Week São Paulo?

Eu não curti porque estava absolutamente apavorada! Acho que só aproveitei depois. Foi um nervosismo muito grande, mas também um empurrão para me fazer entender o porquê de eu estar tão desconfortável. Eu estava vivendo esse conflito entre Manuela-modelo e a Manuela-Manuela que eu não conhecia. Não conhecendo quem eu era, como é que eu iria me reconhecer modelo, que é uma coisa que exige muito mais habilidade? Todo mundo falava que eu era linda, mas por que eu não estava me sentindo linda? Por que estava tremendo se já tinham me contratado e eu já estava ali? Não posso dizer que o Fashion Week não foi válido, porque foi. Ele me trouxe estas questões, que foram importantes para eu ser quem sou hoje.

O que te fez dar atenção para estes “conflitos”?

Eu acho que não foi uma coisa que caiu em cima de mim um dia. Eu tinha várias conquistas profissionais, trabalhava todos os dias pra caramba e mesmo assim me sentia infeliz. Descontava isso tudo fazendo coisas que não me orgulho tanto. Eu fazia qualquer coisa para me distrair. Então, teve uma hora que percebi que essa receita não funcionava mais e então fui para outro caminho.

Foi fácil sair de casa tão jovem?

Honestamente, eu nunca “tremi”. Sempre senti que onde eu devia estar era em São Paulo, sozinha e me descobrindo. O motivo que mais me deu confiança de sair de casa foi porque sabia que em Gramado eu não poderia ser quem eu sou: gay.

Uma oportunidade de ganhar dinheiro, respeito dos meus pais, ter independência e ainda ser quem eu sou? Não pensei duas vezes!

Uma revista que você deseja muito trabalhar

Vogue Brasil.

Uma grande inspiração

Gilda Ambrosio. Ela é estilista e blogueira italiana, construiu sua marca fazendo roupas que ela gosta, colocando sua personalidade no trabalho. Eu gostaria de ser estilista, de trabalhar com design algum dia, então ela é minha inspiração.

O que você acha do mercado da moda?

Eu sou uma menina muito privilegiada. Sou branca, magra, tenho traços europeus e com isso nunca tive nenhum conflito grande. Eu recebi muito do mercado da moda.

O que te faz querer seguir seus sonhos todos os dias?

Honestamente, eu mesma! Faço por mim. Sigo meus sonhos por saber que isso pode me trazer mais do que tudo a liberdade, sabe?

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